Irônico é a Xuxa falar de PEDOFILIA
Eu não assisto o Fantástico. Uma coisa pessoal que vem de muitos anos, e que só teve alguma alteração quando o Youtube resolveu colocar no ar algumas entrevistas do ‘O que vi da vida‘. Achei a direção apelativa, que lembrava muito o que qualquer outro programa dominical trazia ao público: aquela ambição de fazer as pessoas se comoverem, chorarem, sentirem aquilo que é falado.
Dê ao povo o que o povo quer.
Os programas dominicais têm tido essa característica. É a doação da casa para aquela família que perdeu tudo, ou aquela mãe que reencontra a filha depois de 45 anos perdida no mundo. E dão picos de audiência, a ponto de quase todos os canais estarem apelando para esse formato. A Globo não apela para isso, até por ter seu domingo dominado pelo Faustão.
Mas o Fantástico tem possibilidades de aproximar o público dessa sentimentalidade. Além disso, a Globo vem tentando aproximar o público do casting da emissora, pois já está perdendo pontos de audiência há certo tempo (mesmo permanecendo em primeiro lugar), e esse estreitamento de laços e a humanização de seus contratados é uma estratégia muito válida para chegar ao grande público.
Eis que então o Fantástico resolve entrevistar a Xuxa.
A Xuxa é uma personalidade que divide opiniões e ‘mágoas‘ ao longo de sua carreira. Sabe-se, com certeza, que ela namorou o Pelé e o Senna, que ela é mãe da Sasha e que teve uma relação com Luciano Szafir. Ainda se tem vídeos dela na antiga TV Manchete, onde ela não tinha paciência (nenhuma!) com crianças – chegando a dar diversos petelecos no ar-, e que ela fez o famoso ‘Amor estranho Amor‘ junto com outros tantos atores renomados. De qualquer forma, mesmo envolvida em tantos outros rumores – e condenada antes mesmo de se defender -, certeza absoluta ninguém tem: tudo é especulação.
Xuxa e Senna: época de expressões afetivas em frente as crianças.
Mesmo assim, a loira é amada e odiada em todo o país. E, ao final da entrevista ao Fantástico, já circulava no Facebook um meme a seu respeito.
Antes de mais nada, deixe-me esclarecer: não quero crucificar nem salvar a imagem da apresentadora. Inclusive, não tenho o direito nem o dever de tentar fazer isso.
Antes de mais nada, devemos considerar que a Xuxa falou de abuso infantil. É parecido, normalmente vinculamos os temas, mas é diferente. Abuso é violência, em qualquer idade, e pedofilia é a atração por crianças, não obrigatoriamente gerando a violência. Hoje é possível ver meninas de 13 anos se relacionando com homens de 28 ou 30 por opção, e isso é um caso bem marcado de pedofilia – que ignoramos socialmente, por tratar-se de uma relação consensual.
Para seguir conversa, por que achar irônico a Xuxa abrir sua intimidade? Só porque fez um filme? Não estou querendo discutir se ela estava se fazendo de vítima, se ela foi apelativa ou qualquer coisa assim, como muitos alegaram. Isso não vem ao caso. O que devemos debater é por que uma figura pública
não
pode falar de assuntos polêmicos porque esteve, em 1979, em ‘Amor Estranho Amor‘, interagindo com uma criança.
É muito infantil e imaturo condenar a Xuxa, acusando-a de pedofilia por causa de um filme. Se é para condená-la, que condenem o elenco inteiro por ser condescendente, o diretor e o roteirista pelas cenas e a família do garoto que autorizou o filme.
O visual anos 80 feminino era por si só sexual. E nada questionável na época.
Muitos já disseram que ela se arrepende do filme, pois saiu perseguindo todas as cópias que encontrasse para comprar, conseguiu proibir a veiculação dele nos canais da Globo, e assim vai. Ainda dizem que ela promete comprar cada cópia de quem leve um filme para ela, mas novamente isso é especulação. A real é que quando o filme foi gravado, a Xuxa era nada! Nem tinha entrado na Manchete, não estava construindo nem perto de uma carreira… Ainda mais de Rainha dos Baixinhos. Não é nada questionável que ela queira tirar do mercado um filme que, mesmo premiado, ainda assim (sempre) vai repercutir em críticas pessoais a ela – como está acontecendo hoje.
Mas vamos falar da ignorância popular. Sim, mas não considerem uma agressão direta. Trata-se do simples fato de hoje, 2012, estar se atacando uma mulher por um filme, um trabalho artístico, rodado em 1979. Ainda assim, mais de três décadas depois (ainda) sendo acusada, as pessoas agridem uma performance, ou mesmo a moralidade da Xuxa, sem questionar o que estava acontecendo em 1979.
Quando Xuxa conheceu Pelé, em meados do lançamento do filme.
Na época do filme, tínhamos a censura – ainda com o Brasil ainda se readaptando ao final do AI-5 (1978). O Golpe Militar no Brasil fez que se criasse a Pornochanchada, que foi um gênero cômico de filmes de cunho (muito) sexual. Foi o que se fez se considerar que a indústria cinematográfica brasileira estava falida, e culturalmente isso só foi se alterar a olhos nus pelos anos 90.
Moralmente, mesmo englobando muita nudez e sexo, a Pornochanchada não era mal vista. Tanto que a grande maioria de atores que hoje são referência têm seu nome vinculado a algum filme do período. Além do mais, o cinema – bem como o futebol- foram fundamentais para a ditadura, pois era a forma mais fácil de dar ao povo o que o povo quer. “Pão e Circo”. (Considere que Xuxa interage no filme com Tarcísio Meira, Vera Fischer e Otávio Augusto, entre outros).
Sua mãe não se importou de te dar um disco de capa tão sensual no fim dos anos 80, início dos 90.
Ainda devemos considerar outro dado real do Brasil. O ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente, é datado de 1992. Até então, muitas das considerações que hoje nos são primárias não existiam. E se hoje pedofilia é um tema relativamente falado, é muito recente o debate do tema. Tão recente que ainda é tabu para ser falado em novelas (lembram-se que o “segredo de Gerson“, no início da novela, era para tratar-se de pedofilia? Voltaram atrás porque a audiência não aceita esse tabu.) ou em programas que atinjam o grande público.
Se a Xuxa foi falsa ou qualquer coisa assim, se quis pena do público ou foi patética, realmente isso para mim é indiferente. Se ela, que tem sua vida privada bastante fechada, foi demonstrar verdades ou mentiras, isso cabe a ela e sua consciência. Quem somos nós para julgá-la? Muitas coisas ali ditas dependem de tempo e reflexão para constatar, o que justificaria a demora para se falar – e demandaria espaço. Logo, ela pode ter se mostrado quem ela realmente é. Ou não. A única coisa que pode se ter certeza é que ela falou em rede nacional e em um programa que atinge o grande público (a massa!) de uma situação pesada que ela viveu, e trouxe a tona o tema, de forma a atingir as mais diversas classes. Mesmo assim, nossa ignorância nos fez partir para uma enxurrada de críticas ao invés de ver que isso tem muito mais atitude do que a grande maioria de nós terá como fazer pelo país durante a vida inteira: criar o debate.
Não sou fã da Xuxa, apesar dela ser parte significativa na minha infância anos 80. Mesmo assim, como uma grande maioria, tive acesso a todas as informações sobre ela que caíram na mídia. Tanto as reais quanto as especulativas. Pessoalmente não vejo espaço para ter se criado o ódio que muitos hoje nutrem pela loira, apesar de tantas situações duvidosas – como o triângulo amoroso que se criou entre ela, Senna e Galisteu -, mas que são normais tratando-se de pessoas (e parece que só porque uma pessoa é “famosa” não pode ter deslizes de uma pessoa normal). Mas como nesses casos cada um puxa para si, deixe ela com seus problemas. As coisas que realmente nos afetam ela tomou a frente, e até hoje não fiquei sabendo de nenhuma acusação de lavagem de dinheiro ou qualquer atitude ilícita pela Fundação Xuxa Meneghel. Então, por favor, excluam suas impressões sobre a pessoa na hora de fazer uma acusação, pois ela faz muito mais que a grande maioria das figuras públicas pelo Brasil, e sem fazer pessoas irem para um programa de TV para sofrer humilhação pública por dinheiro.
E se você não viu a entrevista, tire suas próprias conclusões. Minha recomendação é que fique bem marcada a quantidade de redatores e de diretores do quadro. E vamos debater a pedofilia e o abuso em vez de xingar a mulher?
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